Estudo revela que 91% dos moradores de Acari, no Rio, vivem em ruas que alagam; 47% elevaram as casas contra enchentes

  • 18/11/2025
Enchente em Acari invadiu casas de 20 mil pessoas, segundo associação de moradores Quase todos os moradores da Favela de Acari, na Zona Norte do Rio, convivem com alagamentos frequentes. Ao todo, 91,2% das famílias da comunidade afirmaram que suas ruas alagam com regularidade, segundo pesquisa do Instituto Decodifica. O levantamento, que será apresentado nesta terça-feira (18), na Cas’Amazonia Brasil, em Belém, como parte das atividades da COP30, também aponta que 47,8% dos entrevistados tiveram que adaptar suas casas para enfrentar enchentes — elevando pisos ou construindo andares superiores. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça A pesquisa ouviu 726 pessoas da comunidade de Acari. O estudo integra o relatório 'Retratos das Enchentes' e buscou medir o impacto climático em comunidades vulneráveis. No recorte do Rio, Acari aparece com alguns dos indicadores mais altos de danos, adoecimento, perdas financeiras e interrupção de serviços essenciais. Ocupações irregulares nas margens do Rio Acari Reprodução TV Globo Acari foi uma das áreas mais atingidas pelas chuvas de 2024, quando cerca de 20 mil pessoas tiveram suas casas invadidas pela água. A favela, com aproximadamente 29 mil habitantes, é cortada pelo Rio Acari e sofre com baixa altitude, assoreamento e falta de saneamento básico, fatores que agravam os impactos das mudanças climáticas. Achados da pesquisa em Acari: 91,2% relataram alagamentos frequentes nas ruas 64,1% tiveram o domicílio invadido pela água Entre os atingidos, 81,4% tiveram água acima de 1 metro dentro de casa Nível da água na rua já passou de 1 metro para 89,3% 28,3% precisaram mudar de casa permanentemente 84,1% perderam móveis ou eletrodomésticos 71,7% tiveram danos estruturais 49,1% perderam documentos 48,5% adoeceram após as chuvas 35% buscaram atendimento médico 55% dizem que medo das enchentes afeta sono ou concentração 35% das mulheres negras choram frequentemente ou sempre por causa das enchentes Transporte público interrompido para 56,2%; saúde, para 50,4% 47,8% fizeram adaptações residenciais 35,8% avaliam como “péssima” a atuação governamental Apenas 24,3% receberam algum auxílio financeiro Perdas materiais e danos estruturais As enchentes em Acari atingem diretamente a estrutura das casas e a capacidade econômica das famílias. Segundo a pesquisa, 84,1% perderam móveis, eletrodomésticos ou bens pessoais, enquanto 71,7% registraram danos estruturais, como rachaduras. Documentos foram perdidos por 49,1%, dificultando acesso a serviços públicos e políticas de assistência. Os itens mais descartados após as enchentes foram sofás (64,9%), camas (62%) e colchões (60,6%) — perda que compromete dignidade, descanso e condições de higiene. Rio Acari, na Zona Norte do Rio Reprodução Google Maps Em 2024, segundo a associação de moradores, a enchente invadiu casas de 20 mil pessoas, deixando um rastro de destruição que se repete ano após ano. As enchentes também prejudicam o acesso a serviços essenciais. No universo pesquisado, 56,2% ficaram sem transporte público e 50,4% tiveram o atendimento de saúde interrompido. A pesquisa destaca que os principais serviços ficam próximos à entrada da comunidade, justamente a área que mais alaga. Isso significa que, mesmo quem não teve a casa invadida, ficou isolado do restante da cidade. Casas elevadas Sem obras estruturais, moradores têm arcado sozinhos com a adaptação de suas casas às chuvas. Em Acari, 47,8% realizaram modificações nas próprias casas. Entre elas: 52,6% elevaram o nível do térreo 22,8% construíram um segundo pavimento Os efeitos na saúde também são marcantes, visto que 48,5% dos moradores da favela adoecem após enchentes. A dengue aparece em 36,6% dos diagnósticos. As doenças de pele, em 12,1%. A leptospirose, em 4,7%. A comunidade registrou 2 óbitos relacionados às enchentes de 2024. O impacto emocional é profundo para os moradores de Acari. Ao todo, 55% deles dizem que o medo das cheias afeta o sono ou a concentração. Entre mulheres negras, 35% relatam que choram frequentemente ou sempre em razão das enchentes. Atuação do governo Apesar da gravidade dos danos, a pesquisa revela avaliação majoritariamente negativa sobre a atuação do poder público. Em Acari, 35,8% classificou como “péssima” a resposta governamental às enchentes. Apenas 24,3% receberam algum tipo de auxílio financeiro. Rio Acari estava coberto de lixo Reprodução/ TV Globo Esse cenário reforça um processo de “privatização da adaptação climática”, em que famílias, sozinhas, tentam se proteger de eventos extremos cada vez mais frequentes. Rio Acari e o histórico de enchentes O Rio Acari nasce na Serra de Gericinó, em Duque de Caxias, e corta São João de Meriti antes de chegar à capital, quando desagua no Rio Pavuna até encontrar o Rio Meriti. São 21 km de extensão marcados por assoreamento, lixo e obras inacabadas. Os pesquisadores descrevem Acari como um território densamente povoado, com moradias autoconstruídas e infraestrutura precária. A favela de Acari está localizada entre os bairros de Pavuna e Barros Filho. A área é atravessada pelo Rio Acari. O documento destaca que a baixa altitude, o assoreamento dos rios e a ausência de políticas efetivas de saneamento criam um cenário permanente de risco. “O território é cercado por valões que recebem o esgoto doméstico sem tratamento [...] e a descontinuidade das políticas públicas resulta em obras inacabadas”, dizia um trecho do relatório. Em 2024, as chuvas deixaram famílias ilhadas e escombros por toda a comunidade. Moradores relataram à época que a enchente invadiu casas, arrastou móveis e destruiu itens essenciais. "A água veio, eu tentei salvar junto com o meu filho de 20 anos. A gente tentou porque eu não tenho muitos móveis. Eu moro em uma Quitinete, pago aluguel. (...) Já é a terceira vez", contou a dona de Michele Mendes “Eles prometeram fazer a obra do rio, vieram e não concluíram”, reforçou. Degradação e projetos Reportagens do g1 mostraram que, em Acari, o rio se torna estreito e cercado por construções na margem quando chega à capital. Essa condição reduz a vazão da água. Veículos foram recolhidos em meio ao entulho do Rio Acari Prefeitura do Rio/Divulgação Embora a prefeitura tenha anunciado a retirada de mais de 191 mil toneladas de material em 2023, o projeto maior, com a construção de bolsões para retenção de água, nunca saiu do papel. Especialistas apontam ainda outras causas para as inundações. O professor Gandhi Giordano, especialista em água e afluentes da UERJ, apontou que até a construção de uma ponte no local prejudica a vazão do rio. "A ponte sobre o rio, ela estreita o rio. Eles, para economizar nas pontes, eles aterram ou usam as laterais e as margens do Rio para fazer a cabeceira da ponte. Com isso, eles reduzem a largura da ponte, a aérea da ponte. E com isso reduzem o custo, mas estreita o rio. A gente pode ver isso aos montes no Rio de Janeiro. E quando você estreita um rio, você favorece a inundação", explicou Gandhi. O arquiteto e urbanista Washington Farjado acredita que o mais importante é conter a urbanização informal perto das margens dos rios. "É necessário reassentar as famílias que moram junto aos rios. Essa deveria ser a prioridade zero do Minha Casa, Minha Vida: tirar as famílias do risco", disse Farjado. Em 2024, o Ministério Público determinou o desassoreamento do rio, mas relatou descumprimento da medida meses depois. "A gente não pode comprar móveis para dentro de casa. Comprar para perder?", lamentou Ivone Silva Santos. A prefeitura promete melhorias com recursos do Novo PAC, mas especialistas alertam para falta de manutenção e impermeabilização excessiva. Uma reportagem do g1 publicada em janeiro mostrou que pouco avançou na prevenção de enchentes. Baixada Fluminense ainda espera obras pra solucionar problemas das enchentes O projeto da Prefeitura para o Rio Acari, que inclui bolsões de contenção, continua sem execução. Segundo o presidente da associação de moradores, Washington Rodrigo. “Já houve cadastro das casas na margem do rio. Estamos aguardando confiantes” O engenheiro Antonio Krishnamurti explicou que o rio está “completamente sedimentado de lixo e vegetação [...] o rio está cada vez mais estrangulado”. Outros resultados da pesquisa O estudo, que será apresentado durante a COP30, em Belém, ouviu 718 famílias, em um total de 2.177 pessoas, em quatro territórios do Rio de Janeiro e Pernambuco. Além de Acari, foram pesquisadas as comunidades Kennedy (RJ), Passarinho e Dois Carneiros (PE). Kennedy, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, região propensa a inundações por estar abaixo do nível do mar, apresentou os seguintes destaques: 84,9% dos entrevistados afirmaram que suas ruas alagam com frequência; 58,5% dos domicílios sofreram danos estruturais (como rachaduras) em razão das enchentes; 61,3% das famílias alegaram já ter perdido eletrodomésticos, móveis ou bens; 25,5% das famílias perderam documentos, o que limita o acesso a políticas públicas e benefícios sociais; 74,5% declararam paralisação do transporte público; 57,5% dos entrevistados relataram ter feito algum tipo de modificação no domicílio em razão das enchentes, o maior índice da pesquisa; Apenas 27,4% declararam ter recebido algum tipo de auxílio durante ou após os desastres; 54,7% avaliaram a atuação governamental como "péssima". A metodologia utilizada, a Geração Cidadã de Dados (GCD), combinou escuta comunitária e análise territorial. O Instituto Decodifica, criado por jovens do Jacarezinho, atua há cinco anos em justiça climática e racial. Em 2026, a pesquisa será expandida para o Maranhão.

FONTE: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/11/18/estudo-revela-que-91percent-dos-moradores-de-acari-no-rio-vivem-em-ruas-que-alagam-47percent-elevaram-as-casas-contra-enchentes.ghtml


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